A capa da edição brasileira de A Estrada da Cura |
No dia 20 de agosto de 1998 a maioria
do povo brasileiro mantinha acesa a certeza que o país vendera a Copa do Mundo
para a França e que o episódio envolvendo Ronaldo Fenômeno pouco antes da final
no Parque dos Príncipes não passou de uma covarde simulação. A bem da verdade,
essa fábula perdura até os dias de hoje e por mais incrível e bizarro que possa
ser, ainda existem pessoas espalhadas por este país, que de fato, acreditam que
o time do Zagallo entregou a taça de mão beijada pros onze liderados por Zinedine
Zidane.
Na manhã daquela quinta-feira chovia
em Quebec no Canadá e é bom que se diga poucas pessoas a não ser as mais
íntimas sabiam das intenções do homem, então com 46 anos, que observava a
escuridão das primeiras horas da manhã enquanto espremia laranjas, cozinhava
ovos, passava café e preparava torradas. Um número muito reduzido de pessoas,
inclusive seus fãs, poderia imaginar que ele se preparava para iniciar a mais
difícil viagem de sua vida, talvez a mais importante e que acabou se transformando
em exemplo mundial de superação.
Pouco mais de um ano antes, em 10 de
agosto de 1997, Peart e sua
esposa Jackie foram surpreendidos com a chegada de uma viatura da polícia e a
notícia que a filha Selena acabara de perder a vida em um acidente automobilístico.
Imagine você, num piscar de olhos, ver seu mundo desmoronar, sem qualquer
chance de se despedir ou evitar o pior. Simplesmente, ter aquilo que mais ama
arrancado do seu convívio da maneira mais estúpida possível. Agora imagine a
relação com sua mulher desmoronar como um castelo de cartas e, além dela
esboçar pouca ou nenhuma reação e aos poucos se entregar e, alguns meses
depois, também vir a morrer.
Naquela manhã de chuva na mais antiga
das cidades canadenses, Peart iniciou
uma viagem de 90 mil quilômetros montado em uma moto. Uma viagem sem destino
definido, sem um objetivo específico, mas que se traduzia, tão somente, na
busca de alguma razão para continuar vivendo. Não fosse tal decisão, quiçá o
baterista do Rush tivesse encontrado forças para voltar aos palcos e continuar
com sua carreira e sua vida. Talvez o mais difícil: seguir em frente.
Não foram poucos os momentos daquela
viagem em que os pensamentos turvos e o vazio infinito quase fizeram Peart retroceder. Desistir. Afundar-se
ainda mais em sua própria amargura, sem que ninguém pudesse fazer nada para
ajudá-lo. Porque, embora, façamos esforços descomunais para transparecer
fortaleza, no fundo, não passamos de seres humanos. Frágeis e incapazes de
lidar com a perda.
Numa carta escrita para o melhor
amigo em meio a sua jornada, Peart sintetiza
o momento vivido e o quão frágil somos todos nós. “Você não pode dizer a si
mesmo como se sentir”. Não há fingimento ou sorriso amarelo que supere o que se
passa no coração e mente de uma pessoa diante da necessidade de superar uma
perda. Só o tempo e talvez, nem ele, sem que haja um esforço mínimo e no caso
de Neil, uma viagem sem rumo em
cima de uma moto.
O exemplo de Neil Peart não
necessariamente significa que todos nós devamos montar em motocicletas e pegar
a estrada para superar nossas maiores dificuldades. Não. O que talvez devamos
fazer é procurar nos confins mais obscuros de nossa alma algo que nos mantenha
vivos, pois não importa o tempo, um dia haveremos de encontrar paz novamente,
da mesma forma que o gênio das baquetas encontrou.
Quatro anos depois daquela manhã de
quinta-feira, o Brasil comemorava seu quinto título mundial no futebol e Peart voltava a estrada com o Rush.
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