sábado, 20 de dezembro de 2014

O salva-vidas da sunga e boné vermelho

Minha coluna para a edição 26 da Revista A

 A morena era miúda, meio sem graça, e estava quase escondida na cadeira. Como se fosse, a qualquer instante, ser engolida. Sugada para um compartimento oculto entre o tecido e a madeira envernizada. A cadeira, a propósito, era uma daquelas de veraneio que não levamos a praia, mas abrimos garbosamente na frente de casa para tomar chimarrão, comer pipoca ou, apenas, observar a vida seguir seu rumo diante do nosso nariz.

Bem assim.

Quiçá, enquanto nos deleitamos com o passar preguiçoso do tempo a observar as nuvens – primeiro – brancas, se tornarem cinza e depois escuras e você, meio que imberbe, não ter escapatória e, num rompante de nada melhor a dizer, simplesmente, colocar pra fora:

- É, acho que vai chover.

E choveu.

Antes.

Não enquanto a morena miúda esteve sentada ao meu lado. É possível, não dá pra descartar a hipótese, que as nuvens passaram do branco pro cinza e depois para uma escuridão medonha, por culpa dela. Sim. Do desânimo com que ela se prostrava meio que pedindo para ser sugada para dentro da cadeira. Para um universo paralelo quem sabe. Porque ela era só desânimo. Com direito a mão segurando o queixo e olhar vago e distante.

Triste de se ver.

Tanto que me arrisquei, sabe-se lá porque motivo e a indaguei:

- Tá triste?

A interrogação ganhou vida porque de certa forma, era preciso que eu questionasse a morena miúda e, por qualquer que seja a razão, tentasse extrair dela, todo aquele desânimo. Tipo o salva vidas de sunga e boné vermelho que se lança ao mar para socorrer o idoso desatento e acaba, por obrigação de ofício, tendo de fazer boca a boca nos lábios já enrugados e começando a ficar tão roxos que a sombra da foice da Dona Morte por pouco não se eterniza a areia da praia.

E ela, a morena miúda:

- Sim.

Com o idoso desatento começando a regurgitar toda água engolida no fatídico mergulho que não deu certo, eu, o salva vidas de sunga e boné vermelho, acho por conveniente que poderia continuar aquele diálogo, afinal, as nuvens nos céus eram de uma negritude alarmante e, grosso modo, não havia nada que pudesse perder ali, sentado a dois, talvez três palmos da morena miúda.

Foi então que eu disse:

- Sabe, não vale a pena.

E ela riu.

Sim.

A morena miúda riu.

E ainda olhou para mim e pela primeira vez percebi que ela não seria engolida pela cadeira, nem ficaria presa num universo paralelo. Ela precisava apenas de alguém para conversar, mesmo que um estranho de cabelos ralos, barba aparada e dentes separados na frente que em nada lembrava um salva-vidas de sunga e boné vermelho.

O importante no entanto é que antes de encerrar a conversa, prolongada por cinco, talvez dez minutos, a morena miúda, me olhou meio que de lado e disse, com todos dentes brancos a mostra:

- Você me fez rir.

Acho até que só não agradeceu por esquecimento. Puro esquecimento.

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