Minha coluna para a edição 26 da Revista A |
A morena
era miúda, meio sem graça, e estava quase escondida na cadeira. Como se fosse,
a qualquer instante, ser engolida. Sugada para um compartimento oculto entre o
tecido e a madeira envernizada. A cadeira, a propósito, era uma daquelas de
veraneio que não levamos a praia, mas abrimos garbosamente na frente de casa
para tomar chimarrão, comer pipoca ou, apenas, observar a vida seguir seu rumo
diante do nosso nariz.
Bem assim.
Quiçá, enquanto
nos deleitamos com o passar preguiçoso do tempo a observar as nuvens – primeiro
– brancas, se tornarem cinza e depois escuras e você, meio que imberbe, não ter
escapatória e, num rompante de nada melhor a dizer, simplesmente, colocar pra
fora:
- É, acho
que vai chover.
E choveu.
Antes.
Não
enquanto a morena miúda esteve sentada ao meu lado. É possível, não dá pra
descartar a hipótese, que as nuvens passaram do branco pro cinza e depois para
uma escuridão medonha, por culpa dela. Sim. Do desânimo com que ela se prostrava
meio que pedindo para ser sugada para dentro da cadeira. Para um universo
paralelo quem sabe. Porque ela era só desânimo. Com direito a mão segurando o
queixo e olhar vago e distante.
Triste de
se ver.
Tanto que
me arrisquei, sabe-se lá porque motivo e a indaguei:
- Tá
triste?
A
interrogação ganhou vida porque de certa forma, era preciso que eu questionasse
a morena miúda e, por qualquer que seja a razão, tentasse extrair dela, todo
aquele desânimo. Tipo o salva vidas de sunga e boné vermelho que se lança ao
mar para socorrer o idoso desatento e acaba, por obrigação de ofício, tendo de
fazer boca a boca nos lábios já enrugados e começando a ficar tão roxos que a
sombra da foice da Dona Morte por pouco não se eterniza a areia da praia.
E ela, a
morena miúda:
- Sim.
Com o
idoso desatento começando a regurgitar toda água engolida no fatídico mergulho
que não deu certo, eu, o salva vidas de sunga e boné vermelho, acho por
conveniente que poderia continuar aquele diálogo, afinal, as nuvens nos céus
eram de uma negritude alarmante e, grosso modo, não havia nada que pudesse
perder ali, sentado a dois, talvez três palmos da morena miúda.
Foi então
que eu disse:
- Sabe,
não vale a pena.
E ela riu.
Sim.
A morena
miúda riu.
E ainda
olhou para mim e pela primeira vez percebi que ela não seria engolida pela
cadeira, nem ficaria presa num universo paralelo. Ela precisava apenas de
alguém para conversar, mesmo que um estranho de cabelos ralos, barba aparada e
dentes separados na frente que em nada lembrava um salva-vidas de sunga e boné
vermelho.
O
importante no entanto é que antes de encerrar a conversa, prolongada por cinco,
talvez dez minutos, a morena miúda, me olhou meio que de lado e disse, com
todos dentes brancos a mostra:
- Você me
fez rir.
Acho até
que só não agradeceu por esquecimento. Puro esquecimento.
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