Imagem do filme "Camisa de Força" de 2005. |
Não conversei mais com minha vizinha. Aquela que disse com lascívia entre os lábios que eu parecia um nazista. Durante a semana tivemos somente aqueles encontros casuais de entra e sai do condomínio.
Só.
O que notei, no entanto, e posso estar à beira
de uma internação psiquiátrica, é que ela continua rindo do mesmo jeito
provocante, de quando me acusou de ser um discípulo de Hitler, fazendo-me crer,
que nas entrelinhas daquele olhar e daquela boca se contorcendo delicadamente
para sorrir, estava uma mulher querendo repetir aquilo e mais um pouco, entre
quatro paredes, trajada tão somente, de calcinha, sutiã, cinta-liga e, claro,
salto alto.
Desse jeito, sem tirar nem por.
Como se falasse, miasse, sussurrasse,
implorasse, sem palavra nenhuma, só um sorriso e, se muito, um aceno bobo com
os dedinhos da mão direita riscando o ar:
- Oiiiii vizinhooo, tudo bem com vocêêê?
Malicioso. Sensual. Sujo. Selvagem.
Sim, selvagem.
Repito: posso estar à beira de uma internação
psiquiátrica, mas, certo e crente que aquele riso é sim senhor (senhoras e
senhoritas, também), selvagem.
A propósito, já disse que a vizinha ouve Frejat
se lambuzando com café com leite e até comentou que tinha me visto ouvir o
ex-Barão Vermelho também. Citou até nome de música.
Pois é.
Num desses entra e sai do condomínio,
esparramado no meu sofá eis que ela me fuzila com aquele sorriso provocante do
terceiro paragrafo e quase estaciona o carro na frente da minha janela. Querem
saber por quê? Heim, heim?
Só e única e exclusivamente para que eu ouvisse
que ela estava ouvindo Frejat. E mais: a mesma música que ela citou daquela
outra vez: nazista, lascívia, sutiã, calcinha, cinta-liga. A mesma.
Tchê, pela terceira vez: internem-me numa
clínica psiquiátrica se estiver louco.
Não estou. Não mesmo. Só quero entender, embora
saiba que não vou conseguir, nem que faça um esforço transcendental e passe uns
dias meditando com a bunda grudada no asfalto quente da BR 020. Aliás, não sei
se há o que entender ou necessidade de se entender o que se passa pela cabeça
de uma mulher que ri do modo como minha vizinha ri.
Também não sei se é possível acreditar que
depois de hoje, aquela guria de olhos felinos tão encantadores vai me achar um
cara normal. Talvez esteja na hora de escrever uma crônica só pra ela e seguir
o conselho da minha confidente:
- Toda mulher quer uma crônica pra chamar de
sua.
Que barbaridade.
A vizinha que tem namorado tem duas e a guria
de olhos felinos, no máximo, um paragrafinho. Estou fazendo tudo errado. Tudo.
Chame a ambulância. Acho que mereço ser
internado de camisa de força e tudo mais.
***
Texto originalmente publicado no blog da IMMAGINE.
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